terça-feira, 24 de novembro de 2009

Ciclos Econômicos

 

 A PECUÁRIA NORDESTINA
os-trs-boiadeiros-thumb As primeiras cabeças a chegarem no Brasil vieram das Ilhas de Cabo Verde, em 1534, para a capitania de São Vicente. Em 1550, Tomé de Sousa mandou uma caravela a Cabo Verde para trazer um novo carregamento, desta vez para Salvador. Da capital da colônia o gado dispersou-se em direção a Pernambuco e daí para o nordeste, principalmente Maranhão e Piauí.
Como a atividade canavieira se desenvolveu no nordeste, a atividade pecuarista também nesta região se concentrou, em terras do interior, reservando a zona litorânea á cana-de-açúcar. Dessa maneira a atividade criatória cumpriu um duplo papel: complementar a economia do açúcar e iniciar a penetração, conquista e povoamento do interior do Brasil, principalmente do sertão nordestino.
No entanto esse processo não ocorreu de imediato. Num primeiro momento o gado foi criado no próprio engenho, sendo utilizado como força de tração e alimento. O senhor de engenho era o dono dos animais.
Com o correr do tempo, a exigência cada vez maior de terras para o cultivo da cana-de-açúcar expulsou a boiada dos limites da área agrícola. Iniciou-se então uma segunda etapa, na qual existia uma nítida delimitação entre dois tipos de atividade, a agricultura e a pecuária, embora seguissem ainda vizinhos e interdependentes.
A partir do início do século XVII a atividade criatória torna-se mais independente, ocupa terras cada vez mais para o interior, pois o desenvolvimento dos rebanhos exige grandes extensões de terras para as pastagens. Os rebanhos se destinam ao mercado interno, principalmente aos engenhos, porém se tornam atividades separadas, e as feiras de gado tornam-se o elo de ligação entre ambos interesses. A primeira feira realizou-se na Bahia em 1614. É nesse momento que a pecuária pode ser vista como um fator de povoamento do interior.
Desde o século XVII, até meados do século XVIII a pecuária ocupou diversas regiões do interior do nordeste, tendo como centros de irradiação as capitanias da Bahia, onde o gado ocupou terras do "sertão de dentro" e de Pernambuco, ocupando as terras do "sertão de fora", sempre através dos rios, ao longo dos quais desenvolveram-se os currais. Diversos rios serviram como canais de integração entre o litoral, onde se concentrava a maioria da população da colônia e as novas terras ocupadas, abrangendo as regiões do Ceará, Piauí e Maranhão, para aqueles que partiam da Bahia, e as terras da Paraíba, e Rio Grande do Norte.


O ELEMENTO SOCIAL
vaqueiro-nordestino É importante lembrar que aqui surge a figura do vaqueiro, que se apresenta como um elemento a mais, na pouco complexa sociedade colonial.
Tratava-se de homens livres, não-proprietários de terras, que se encarregavam das boiadas, quase sempre pelo sistema de "partilha", recebendo certo número de reses, como pagamento pelo serviço prestado aos donos do rebanho - em geral o acordo era feito na base de um quarto do número total de cabeças, após cinco anos de serviço; eram ajudados por dez ou doze outros homens, conhecidos por "fábricas", que receiam um pequeno salário anual
Esses homens, rudes e duros, muitas vezes escravos fugidos das fazendas do litoral, foram os verdadeiros conquistadores do sertão, abrindo caminhos, fundando povoações e ocupando áreas antes totalmente virgens da presença dos colonizadores.

É preciso reconhecer, entretanto, que a penetração do gado e dos vaqueiros nos sertões do Nordeste nem sempre se verificou de maneira pacífica. Na Bahia, por exemplo, houve um enorme levante dos índios janduís e paiacus durante as últimas décadas do século XVII, obrigando o Governo-geral a solicitar a ajuda de bandeirantes vicentinos (os "sertanistas de contrato") afeitos desde há muito à guerra e à caça ao índio. Em socorro aos vaqueiros baianos vieram experimentados apresadores de indígenas, como Estêvão Parente, Domingos Barbosa, Brás Arzão, Domingos Jorge Velho, Cardoso de Almeida e outros, que foram empregados na repressão à chamada "Guerra dos Bárbaros" ou "Confederação dos Cariris". Muitos dos paulistas empregados nas guerras do norte não tornaram mais a São Paulo e preferiram a vida de grandes proprietários nas terras adquiridas por suas armas: de bandeirantes, isto é, despovoadores, passaram a conquistadores, formando estabelecimentos fixos.
A pecuária do nordeste, os-trs-boiadeiros-thumbque em princípio destinava-se a desempenhar o papel de atividade complementar à economia açucareira, de setor fornecedor de alimento e força de tração aos engenhos, ganhou considerável impulso com a descoberta do ouro das Gerais, nos fins do século XVII.

Importante lembrar que…

  • 1º Momento: A pecuária nordestina era um mercado de subsistência e existia apenas como renda complementar enquanto o Senhor de engenho mantinha o cultivo da cana de açucar.
  • 2º Momento: Segundo a orientação da Coroa, que via o espaço de tratamento de gados como um desperdício de terra fértil, o senhor de engenho viu-se obrigado a interiorizar a criação de gado.
  • 3º Momento: Surge a criação de fazendas no interior e junto com ela surgem os boiadeiros (figura que ganha parte ods gados nascentes e se alarga para o interior, ao redor do Rio São Francisco).

Assim,

  • Devido a distancia para o comércio, a criação de gado obteve uma circulação monetária pequena o que gerou a troca de mercadorias.
  • Com a expulsão dos holandeses no Século XVII e, por falta de necessidade dos gados para o engenho, houve uma involução que, devido a crise do açucar, forçou a criação dessa economia de subsistência, o que gerou um crescimento vegetativo, ou seja, um forte crescimento populacional dentro de uma economia de subsistência.
  • Por outro lado, a interiorização em consequencia da criação de gados no Brasil colonial ocasional na expansão territorial.

Os Bandeirantes

 bandeirismo Desde os primórdios, os colonizadores portugueses tinham pleno interesse em explorar as regiões interioranas do território brasileiro. A partir do século XVII, essa exploração se intensificou com a crise econômica que atingiu a economia açucareira em decorrência dos baixos valores obtidos no mercado europeu. Dessa maneira, a formação das entradas e bandeiras se tornou alternativa para que as dificuldades econômicas do período fossem superadas.

Havendo economias complementares no Brasil colonial como a pecuária nordestina que resulta na expansão territorial daquela regiao e, por Portugal não perceber o Brasil como um todo e sim enquanto terras (o que faz com que a Coroa dê as costas para São Vicente focando apenas o Nordeste) eis que Martin Afonso e toda a capitania de são Vicente (população vicentina) passam a fazer atividade de apresamento indígena (perseguir, prender e vendê-los enquanto escravos) como forma de sobrevivência.

Já no final do seculo XVI, com a substituição da escravidão indígena pelo africano (durante o processo de resistência, o que acarretou na criação dos quilombos), os senhores de engenho passou a contratar os bandeirantes para a destruição dos Quilombos e essa atividade ficou conhecida como “Bandeirismo de contrato” e , embora esses fatores conferiam aos bandeirantes um vasto conhecimento de localização, nao podemos esquecer que o foco do bandeirante era a mineração.

BANDEIRISMO

bandeirantes É o conjunto dos fatos referentes à época das bandeiras destinadas à conquista e povoamento do sertão brasileiro. A prática de atos que caracterizam os bandeirantes, ou a prática desses atos pelos próprios bandeirantes.
A questão do bandeirismo, evidencia as dificuldades das comunidades afastadas do centro exportador dominante, o nordeste açucareiro. Os paulistas viram-se compelidos a buscar meios de enriquecimento. Disto resultaram as bandeiras - empresas móveis, misto de aventureirismo épico, e oportunismo empresarial.
As bandeiras representaram um importante fator na configuração das fronteiras, pois dirigiram-se rumo às áreas desabitadas do interior, pelas quais os espanhóis não haviam se interessado, voltados como estavam para a mineração andina.
Devido à carência de recursos da terra à qual não tinham por que se prender, os paulistas dos primórdios acabaram por favorecer o surgimento de uma ideologia que muito ajudaria a classe dominante regional do futuro, a ideologia da iniciativa privada.
S. Paulo se colocou na vanguarda econômica e política da nação, essa ideologia muito serviu à classe dominante regional como instrumento do federalismo.
Devido ao aspecto do pioneirismo desbravador, o primitivo isolamento da comunidade paulista, contribuiu para a formação de uma mentalidade regionalista fortemente arraigada, cujo resultado último e extremo, veio a ser a Rev. Const. De 1932.
Na primeira grande fase do bandeirismo, o objetivo era aprisionar índios para vende-los como escravos em lugares que não usavam o negro por ser muito caro, era o único bom negócio possível aos paulistas. Tal negócio foi facilitado pois, devido à união Ibérica, o Tratado de Tordesilhas não estava em vigor, isto foi uma das causas da destruição do primeiro ciclo missioneiro no sul da colônia.
As bandeiras tiveram seu auge durante a ocupação de Angola pelos holandeses, pois foi interrompido o tráfego negreiro, e a mão-de-obra escrava escasseou ainda mais, gerando um aumento nos preços dos escravos. O seu declínio foi por ocasião da expulsão dos holandeses da costa africana, ao mesmo tempo em que os índios aldeados nas missões sulinas, começaram a reagir aos ataques dos bandeirantes. Após dois contra-ataques bem sucedidos, por parte dos índios, principalmente o "combate do M’bororé", os bandeirantes interromperam seus assédios às missões.
Segundo alguns autores, a palavra bandeira, talvez derive de "bando" (reunião de bandos). Possuía uma certa organização. Apesar de submetida a uma autoridade absoluta, era muito heterogênea. Cassiano Ricardo à definiu como "cidade que caminha", devido à sua diversificação social.
A alimentação dessas hordas, consistia principalmente de caça, pesca, coleta, e eventuais roças de milho (bivaques). As expedições duravam anos, e eventualmente havia quem as financiasse, o que reforça a idéia da combinação do espírito aventureiro, com o espírito empresarial, impregnado do desejo de lucro.
Quando o açúcar deixou de dar lucros, a Coroa resolveu encontrar metais preciosos. Houve a contratação de técnicos espanhóis pelo governo português, para ensinar aos os bandeirantes, as técnicas de mineração, e as bandeiras passaram a se dedicar à busca de pedras e minerais preciosos, tornado-se uma empresa quase estatal, ao final do século XVII.

A Mineração no Brasil colônia.

mineiracao2 Até o século XVII, a economia açucareira era a atividade predominante da colônia e o interesse metropolitano estava inteiramente voltado para o seu desenvolvimento. Porém, a partir de meados do século XVII, o açúcar brasileiro sofreu a forte concorrência antilhana, claro, os holandeses, uma vez “expulsos” passaram a produzir em suas colônias no Caribe, fazendo com que a Coroa portuguesa voltasse a estimular a descoberta de metais.

Os paulistas, que conheciam bem o sertão, iriam desempenhar um papel importante nessa nova fase da história colonial. Já em 1674, destacou-se a bandeira de Fernão Dias Pais, que, apesar de não ter descoberto metais preciosos, serviu para indicar o caminho para o interior de Minas. Poucos anos depois, a bandeira de Bartolomeu Bueno da Silva – o Anhangüera – abriria caminho para o Brasil central (Goiás e Mato Grosso).

No Brasil, o ouro encontrava-se depositado na superfície ou em pequenas profundidades: inicialmente exploravam-se os veios (nos leitos dos rios), que eram superficiais; em seguida, os tabuleiros (nas margens), que eram pouco profundos; e, finalmente, as grupiaras (nas encostas), que eram mais profundas.

Com a crise açucareira no final do seculo XVII  foram encontradas pepitas de ouro e na transição do seculo XVII para o seculo XVIII a Corte começa a procurar novas formas de arrecadação onde os vicentinos, em parceria com Portugal, inicia o cilco da mineração. a corte financiava a expedição bem como enviava alguns tecnicos que, com o conhecimento do terreno por parte dos bandeirantes, muito rapidamente se descobriu os veios de ouro e junto com a exploração houve a dinamização econômica.

São Paulo – A descoberta das minas funcionou como um poderoso estímulo às atividades econômicas em São Paulo. Porém, no início do século XVIII, a sua população mal ultrapassava 15 mil pessoas e uma boa parte dela foi para as minas. Em compensação, recebeu um acréscimo populacional proveniente de Portugal e já no final do século XVIII tinha perto de 117 mil habitantes.

Assim, as lavouras foram se ampliando e multiplicaram-se as atividades manufatureiras. O porto de Santos ganhou súbita importância como porta de entrada para escravos e produtos importados europeus.

Como as minas necessitavam de animais de carga e transporte, alguns paulistas deslocaram­se para Paranaguá e Curitiba, onde dedicaram à criação. Outros foram buscar na região platina (Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina) o gado muar, essencial para o transporte.

Os caminhos para as minas – Situadas no interior do centro-sul, as minas eram localidades de difícil acesso. De São Paulo aos núcleos mineradores a viagem era de sessenta dias. Ha­via três caminhos de acesso. O que foi aberto por Fernão Dias Pais passava por Atibaia e Bragança e alcançava a Mantiqueira. O outro, saindo de São Paulo, percorria Itaquaquecetuba, Mogi das Cruzes, Jacareí, Pindamonhangaba, Guaratinguetá e Lorena para chegar às três principais regiões mineradoras: Ribeirão do Carmo, Ouro Preto e rio das Velhas. Um terceiro caminho passava por Mogi-Guaçu e correspondia, grosso modo, ao traçado da Estrada de Ferro Mojiana, hoje desativada.

A Bahia possuía uma ligação com Minas muito anterior à descoberta do ouro. O caminho foi aberto pelos bandeirantes paulistas no século XVII do sul para o norte. A vantagem dessa via era a sua segurança e conforto. Não faltavam pastos para os cavalos, nem alimento para os viajantes. As estradas eram mais largas e podiam ser percorridas sem medo de ataques indígenas.

A Bahia estava apta a se integrar à economia mineira por várias razões: era um centro antigo de colonização e, como tal, tinha uma economia mais bem preparada para atender às demandas de Minas; a sua pecuária havia se expandido para o sertão e pelo rio São Francisco dirigindo-se para as minas; além disso, era um grande centro importador de produtos europeus e tinha a vantagem de estar mais próximo de Portugal do que os portos sulinos.

Como aconteceu com outras regiões, grande contingente de baianos foi atraído pelas mi­nas. Até senhores de engenho abandonaram tudo e se mudaram para lá com todos os seus bens e escravos.

Mas as autoridades coloniais não viam a integração da Bahia na economia mineira com bons olhos. Não interessava ao rei que os baianos abandonassem a economia açucareira. Havia ainda a preocupação com a venda de es­cravos dos engenhos para as minas. Por outro lado, o contrabando do ouro era difícil de ser controlado na estrada de Minas à Bahia. Por isso, a Bahia foi proibida de fazer comércio com as Gerais, exceto no que se refere ao gado. A proibição, entretanto, foi inútil. Contrariando as determinações, os baianos continuaram tão ativos no comércio com as minas quanto os paulistas e os fluminenses.

De qualquer modo, para efeitos legais, o comércio muito intenso mantido pelos merca­dores baianos com as minas era considerado contrabando. E uma das maiores figuras desse contrabando era, justamente, Manuel Nunes Viana, que teve um destacado papel no episódio da Guerra dos Emboabas.

O Rio de Janeiro, no começo, não dispunha de acesso direto às minas, o que dificultava o seu comércio. Mas rapidamente se beneficiou com a abertura do “caminho novo”, construído em três anos (de 1698 a 1701) e aperfeiçoado entre 1701 e 1707.

Com a sua abertura, a viagem do Rio para Minas poderia ser realizada em doze ou dezessete dias, conforme o ritmo da marcha. A vantagem do “caminho novo” era óbvia com­parado com o de São Paulo a Minas, no qual se gastavam sessenta dias. E essa vantagem teve importantes conseqüências, pois transformou o Rio no principal fornecedor das minas e na principal rota de escoamento do ouro. São Paulo sofreu os efeitos da nova situação, mas graças à descoberta de minas em Goiás e Mato Grosso as perdas foram contrabalançadas.

Sendo uma economia essencialmente importadora, a mineração dependia do abasteci­mento externo de alimentos, ferramentas, objetos artesanais, incluindo os de luxo, gado, principalmente o muar, para transporte e tração e, finalmente, escravos. Três agentes se encarregaram desse abastecimento: o tropeiro, que trazia alimentos e outras mercadorias; o boiadeiro e os comboieiros, que chegavam com os escravos.

A articulação econômica – Ao abrir-se como um grande mercado, a mineração foi responsável pela articulação econômica da colônia, integrando não apenas São Paulo, Rio e Bahia, mas também, através de São Paulo, a região sulina como um todo.

O gado muar era essencial como meio de transporte. E o principal centro produtor es­tava localizado na região platina, que, tradicionalmente, fornecia esse gado para as minas peruanas. Com a decadência destas últimas, um novo estimulo para a sua criação veio de Minas. Assim se intensificou a ocupação da região platina, que resultou, no final, na incorporação do Rio Grande do Sul ao domínio português.

Minas era também um grande mercado de escravos. A crescente demanda de mão-de-obra escrava provocou significativas alterações no tráfico. Na África, a moeda de compra de escravos era o fumo. A Bahia e Pernambuco tornaram-se, ao mesmo tempo, grandes produtores de fumo e agenciadores de escravos africanos, propiciando o aparecimento de arma­dores e traficantes brasileiros.

Os traficantes nordestinos chegaram a superar a concorrência de nações poderosas como Inglaterra, França e Holanda, batendo também os portugueses.

Beneficiados com a abertura do “caminho novo”, mercadores do Rio de janeiro se dedica­ram intensamente ao tráfico, utilizando, como moeda de compra de escravos, aguardente (pinga), açúcar e até ouro.

A intensificação do tráfico teve efeitos internos importantes. Na Bahia e em Pernambuco ocorreu a expansão da cultura do tabaco e, no Rio, do engenho de aguardente, destacando-se Parati.

Assim, atuando como pólo de atração econômica, a mineração favoreceu a integração das várias regiões antes dispersas e desarticuladas. Surgiu, desse modo, um fenômeno antes desconhecido na colônia: a formação de um merca­do interno articulado. Outra conseqüência importante da mineração foi a de ter deslocado o eixo econômico do nordeste para o sul, valorizando principalmente o porto do Rio de Janeiro. Não foi por acaso que em 1763, na administração pombalina, a capital da colônia acabou transferida da Bahia para o Rio de Janeiro.

É importante lembrar que…

  • A mineração era uma economia itinerante e interiorizada e que culturalmente a escravidão ja fazia parte da vida dos habitantes brasileiros.
  • O Bandeirismo e a exploração das minas trouxeram a expansão territorial.
  • A criação de estradas reais entre outras, foram formas de controle para assegurar “o quinto” de direito da Coroa.
  • Marquês de Pombal trouxe para o Sul (nota-se que no periodo colonial o sul era compreendido como toda a regiao sul e sudeste) toda estrutura e atenção, incluindo a Capital para o Rio de Janeiro, porque ali se encontravam todas as riquezas.

 

O Século XVIII

o-ciclo-da-cana-de-acucar75-jp Portugal e Espanha eram os únicos países europeus que possuíam colonias de exploração e, em pleno mercantilismo, todos os grandes negocios da Corte portuguesa no inicio do seculo XVIII (1703) foram feitos através de tratados e, entre eles, o “Tratado de Methuen” ou Panos e vinhos, feito com a Inglaterra; esse tratado defendia a abertura dos portos para o vinho portugues enquanto a Inglaterra repassava seus tecidos para Portugal pelo mesmo preço vendido dentro da prórpria Inglaterra e, com isso, a Corte, sem manufaturas, comprava quantidades imensas de tecidos da Inglaterra.

Esse fato era irrelevante enquanto a Portugal tinha recursos, entretanto, com a crise açucareira a Corte começa a sentir a consequencia da crise sem, no entanto, deixar de firmar o tratado com a Inglaterra fazendo, desse modo, o ouro brasileiro ser deixado todo na Inglatera. Com isso podemos afirmar que parte da Revolução Industrial foi financiada pelo ouro brasileiro.

O esgotamento das minas gerou dois problemas: um interno (dificuldades financeiras por parte de investidores mineradores) e o outro de ordem externa (cuja sustentação do ouro brasileiro sobre o consumo português acaba) e o ministro Marquês de Pombal duarante o reinado de D. José I (17560 – 1777) tenta ainda buscar alternativas para sanar a crise do antigo regime.

Levando em consideração um novo prisma levantado pelos iluministas que questionavam a politica absolutista, a economia mercantilista a sociedade privilegiada da nobreza e a liberdade e igualdade (inclusive religiosa), propondo assim o ministro, uma politica constitucional, de economia liberalista dentro de uma sociedade composta por cidadãos privilegiados; essas idéias (revoluções burguesas) contestam o antigo regime e originando a idade moderna. Assim, Portugal tenta se modernizar para manter seus interesses absolutistas.

O fracasso do industrialismo: se fossem os lusos dotados, ainda que minimamente, dos modernos conhecimentos mecânicos, ou que pelo menos demonstrassem interesses neles, seria inevitável que os trouxessem na atravessia do Atlântico e os aplicassem no Brasil, como ocorreu com os ingleses que emigraram para as colônias americanas que implantaram na Nova Inglaterra um respeitável parque fabril ainda antes da Independência.
Exemplo dessa inapetência lusa foi o fracasso da política manufatureira estimulada pelo Marquês do Pombal a partir de 1759 - uma retomada do pequeno surto fabril de 1720-40 -, quando o déspota (D. José I), com o fito de limitar a influência do ingleses, determinou que se concedessem insumos para a instalação de fábricas “de panos de lã, tecidos de algodão, sedas, chapéus, tapeçarias, fundição, serralharia, relojoaria, botões e vidro”. Esperava ele que a proliferação delas, graças a importação de técnicos estrangeiros largamente favorecidos pelo estado, servissem “de escola e incentivo para os nacionais”. Infelizmente como se constatou isso não se verificou, as manufaturas não prosperaram, não conseguiram superar o universo artesanal majoritário, nem fizeram com que se apresentassem voluntários a querer copiar-lhes o exemplo.

Crise do Antigo Regime

iluminismo(1) A crise se dá pelos questionamentos do iluminismo (pensamento da burguesia) e esse movimento é revolucionário e questiona o absolutismo monárquico denro da europa.
Enquanto a Inglaterra, frança e Holanda constrói seu mercantilismo manufatureiro e, à partir daí, cria as suas revoluções; Portugal opta em manter o seu sistema antigo de mercantilismo, onde precisava de uma colonia de exploração para se manter sem dar por si que este se tornara um sistema econômico falido dentro da Europa.

No Brasil, a crise foi refletida baseado no Antigo Sistema Colonial (entende-se aqui o exclusivismo do pacto colonial) onde a elite (que não se preocupava com o absolutismo do rei, uma vez que ja se mantinha distante dele) questionava o exclusivismo e a busca pela liberdade de comércio iniciando, com isso, as rebeliões coloniais a que passamos a chamar de Movimentos sociais.

Esses Movimentos Sociais que aconteceram até 1750 (seculo XVIII) poderiam ser chamados de “Nativistas” uma vez que a jovem elite não havia sido contagiada pelas idéias iluministas e, sendo estes movimentos genuinamente brasileiros, calcados em problemas e em busca de soluções sem influências, uma vez que determinados problemas só aconteciam no Brasil e de forma bem localizada.

À partir de 1750,  os jovens intelectuais brasileiros se apropriam de algumas idéias inovadoras do iluminismo para lançar seus questionamentos sobre a liberdade política. assim, o iluminismo motivou as revoluções burguesas que trouxeram o fim do Antigo Regime e a instalação de doutrinas de caráter liberal.

É importante lembrar que…

  • Os movimentos não tinham uma mentalidade de Brasil enquanto nação, ficando a cargo de cada antigo Estado a defesa de seus interesses e direitos vindo a ser criado a idéia de nação Brasileira apenas com a formação da República.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Feudalismo Na Europa

 queda_imperio_romano Os romanos, a exemplo dos gregos, chamavam de "bárbaros" a todos aqueles que não tinham seus costumes e que não falavam sua língua. Entre esses povos, estavam os germanos, cujas invasões provocariam a desestruturação do Império Romano do Ocidente.

A partir do fim do século III, com o enfraquecimento do poderio de Roma, alguns povos que habitavam nas proximidades das fronteiras do Império começaram a se instalar pacificamente em seu território, como aliados, isto é, como colonos e, sobretudo, como soldados.

No final do século IV, os hunos, povo guerreiro de origem asiática, chegaram a Europa oriental e mudaram esse quadro, acelerando o processo de desintegração do Império Romano. Praticamente empurrados pelas invasões dos hunos. Os povos germânicos levariam de roldão as fragilizadas defesas das fronteiras romanas. Assim, francos, burgúndios, alamanos, ostrogodos, visigodos, anglos saxões invadiam e pilhavam as cidades do Império.

Em 410, os visigodos ocuparam a península Itálica, tomando e saqueando Roma. Os vândalos, por sua vez, avançaram pela península Ibérica, atravessaram o estreito de Gibraltar e estabeleceram-se no norte da África.

O golpe definitivo ocorreu em 476, quando Odoacro, chefe dos hérulos, destronou o imperador de Roma, pondo fim ao Império Romano do Ocidente. Esse acontecimento assinala a passagem entre Antiguidade e a Idade Média na Europa ocidental.

Assim, ao término do século V, toda a porção ocidental do Império Romano, agora sob o domínio dos germanos, começava a assumir uma configuração inteiramente diversa, do ponto de vista de sua organização social, política e econômica. Era o mundo feudal que começava a se formar.

Mas seriam necessários mais de três séculos para que as estruturas da nova sociedade estivessem plenamente consolidadas. Nesse período, a administração centralizada do Império Romano daria lugar a diversos reinos, como o dos ostrogodos, o dos francos e outros nos quais vigoravam formas descentralizadas de poder.

De todos os reinos feudais, o mais duradouro foi o dos francos. Por volta do século IX, seu poder era tão grande que alguns acreditavam na possibilidade de o Império Romano do Ocidente voltar a surgir.

A base social dos reinos feudais se constituiria a partir do encontro e da combinação de tradições, costumes, crenças e estruturas sociais herdadas dos romanos e dos povos germânicos.

Vilas: uma tradição romana

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Ao longo de todo processo de desagregação do Império Romano do Ocidente, que durou cerca de duzentos anos, as cidades se despovoaram, enquanto o comércio e a produção artesanal entraram em declínio. Sem dinheiro para manter as fronteiras, o imperador não conseguia garantir a integridade do território. Para se proteger, a população abandonava as cidades, principais alvos dos povos invasores.

Ao mesmo tempo, com o fim das guerras de expansão do Império, a mão-de-obra escrava, base da economia romana, praticamente desapareceu. Com isso, as grandes propriedades rurais escravistas – os latifúndios – perderam importância.

No lugar dos latifúndios, começaram a surgir as vilas, grandes propriedades rurais que tinham por objetivo a auto-suficiência, tendo em vista que o fluxo comercial diminuiu com as invasões. Nas vilas, a mão-de-obra principal passou a ser dos colonos, trabalhadores que entregavam parte do que produziam ao senhor, em troca da permissão de uso da terra do senhor. Com o passar do tempo, os pequenos agricultores também entregariam suas terras aos grandes proprietários em troca de proteção.

Essas vilas e as relações nelas estabelecidas contribuíram para a formação dos feudos, unidade básica de todo o sistema feudal.

A contribuição dos povos germânicos

full-1-c7b35cf658 A intensificação das invasões germânicas na Europa ocidental trouxe mudanças e acrescentou novos elementos à sociedade que se formava.

Os povos germânicos trouxeram consigo certos costumes que se incorporaram à sociedade nascente, como o padrão de justiça, baseada na tradição (consuetudinário), e noções de honra e lealdade, que fundamentavam as relações entre o chefe guerreiro e seus comandados.

E prática de conceder terras como recompensa aos homens que se destacavam nos combates, isso era comum entre os germânicos. Assim, à medida que avançavam e se instalavam no território romano, os guerreiros tornavam-se senhores de terras. A união entre eles e seus comandantes baseava-se apenas na lealdade e na palavra. Assim, os novos senhores da terra passavam a ser praticamente independentes dentro de seus domínios, que agregavam germânicos e romanos. Com o tempo, eles se transformariam em senhores feudais, e a administração fortemente centralizada do Império Romano daria lugar a um poder descentralizado.

O papel da Igreja e as novas invasões

A Igreja Católica representou papel fundamental na formação e consolidação do feudalismo. Era a maior e a mais poderosa instituição do período. Sua influencia alastrou-se aos poucos entre os povos romanos e germânicos, transformando-a no principal elo de toda a população e garantindo certa uniformidade cultural à Europa ocidental.

No século IX, não existia na Europa ocidental quem não acreditasse em Deus. Controlando a , a Igreja normatizava os costumes, a produção cultural, o comportamento e, sobretudo, a ordem social. Aqueles que se desviavam de suas normas eram rigorosamente punidos. Sua influencia também se fazia sentir na política, ao sagrar reis legitimar o poder dos senhores feudais.

A Igreja se transformaria também na maior proprietária de terras da Europa ocidental, em um período em que a terra era a principal fonte de poder e de riqueza.

A nova organização social que despontava na Europa com a desagregação do Império Romano – o feudalismo – só assumiu sua forma mais acabada por volta dos séculos VIII e IX. Nessa época, outra onda de invasões, desta vez empreendidas pelos povos árabes, húngaros, eslavos e normandos (ou vikings), isolou a Europa ocidental do Oriente. O clima de insegurança e isolamento criado pela nova onda de invasões dificultava a circulação de pessoas, debilitando ainda mais as atividades comerciais e a força da cidades.

O poder político se transferiu para os grandes proprietários de terras, os senhores feudais, a quem a população recorria para pedir proteção. A partir do século |||, o Império Romano conheceu um longo processo de desestruturação e um dos principais fatores desta foi a grande extensão das suas fronteiras.

A sociedade feudal

Sociedade Feudal5 A sociedade feudal é dividida em três grandes ordens. A primeira compreendia os integrantes do clero, que cuidavam da fé cristã, a segunda reunia a nobreza por um todo, responsáveis pela guerra e pela segurança, a última ordem era aquela constituída pelos servos, que trabalhavam para sustentar toda população.

A mobilidade social praticamente inexistia. Rígidas tradições e vínculos jurídicos determinavam a posição social de cada indivíduo desde o nascimento.

Na sociedade feudal, a honra e a palavra tinham importância fundamental. Desse modo, os senhores feudais ligavam-se entre si por meio de um complexo sistema de obrigações e tradições.

A fim de obter proteção, os senhores feudais geralmente procuravam por outro senhor mais poderoso, jurando-lhe fidelidade e obediência. Chamava-se vassalo, o senhor feudal que pedia proteção a outro. Essa aliança deveria ser consolidada pelo senhor mais poderoso, o suserano, por meio da concessão de um feudo, que podia ser constituído de terras ou de bens ou de ambos.

Nesse sistema, o vassalo devia várias obrigações ao seu suserano, como o serviço militar, por exemplo. Por essa razão, quanto maior o número de vassalos, maior o prestígio e o poder de um suserano. O compromisso estabelecido nesse sistema tinha caráter sagrado e constituía falta grave sua violação.

Os trabalhadores do feudo

 feudalismo3 A terceira ordem da sociedade da Alta Idade Média era formada pelos servos. A relação que se deu inicialmente entre os colonos e os proprietários das vilas romanas pode explicar a origem de servidão no feudalismo.

Diferentemente dos escravos, os servos estavam presos à terra e dali não podiam sair. Mesmo que um feudo mudasse de senhor, não poderiam ser expulsos dele, passando a prestar obrigações ao novo senhor.

Além dos servos, havia os vilões, pequenos proprietários que, por algum motivo, tinham entregado suas terras a um senhor. Embora livres, deviam várias obrigações ao dono do feudo.

Os escravos, em número reduzido e mantidos apenas em algumas regiões próximas ao Mediterrâneo, trabalhavam em atividades domésticas.

Havia diferenças, de fato, entre o servo e o escravo. O servo tinha o direito à sua vida, garantia que o escravo não conhecia, pois podia até ser morto pelo amo. Além disso, ainda que entregasse grande parte da colheita ao senhor, o servo produzia sua própria economia. Entretanto, a condição de exploração de ambos era semelhante. Os servos ficavam à mercê de circunstâncias quase tão cruéis quanto as enfrentadas pelos escravos.

A mobilidade social praticamente inexistia. Rígidas tradições e vínculos jurídicos determinavam a posição social de cada indivíduo desde o nascimento.

Na sociedade feudal, a honra e a palavra tinham importância fundamental. Desse modo, os senhores feudais ligavam-se entre si por meio de um complexo sistema de obrigações e tradições.

O feudo

Trabalhadores do Feudo.

Os feudos eram os núcleos com base nos quais a sociedade feudal se organizou. Por volta do ano 1000, a maioria das pessoas na Europa ocidental vivia em feudos. Nesse período, a terra converteu-se no bem mais importante, por ser a principal fonte de sobrevivência e de poder.

As terras do feudo distribuíam-se da seguinte forma:

  • Manso senhorial – Representava cerca de um terço da área total e nela os servos e vilões trabalhavam alguns dias por semana.. toda produção obtida nessa parte da propriedade pertencia ao senhor feudal.
  • Manso servil – Área destinada ao usufruto dos servos. Parte do que era produzido ali era entregue como pagamento ao senhor feudal.
  • Terras comunais – Era a parte do feudo usada em comum pelos servos e pelos senhores. Destinava-se à pastagem do gado, à extração de madeira e à caça, direito exclusivo dos senhores.

Os servos, principal mão-de-obra dos feudos, deviam varias obrigações ao senhor feudal, destacando-se:

  • A corvéia – prestação de trabalho gratuito durante vários dias da semana no manso senhorial;
  • A talha – entrega ao senhor de parte da produção obtida no manso servil;
  • A banalidade – pagamento de taxa pelo uso do forno, do lagar (onde se fazia o vinho) e do moinho, dentre outros equipamentos do feudo;
  • O censo – pagamento efetuado com parte da produção em dinheiro, ao qual estavam obrigados somente os vilões ou homens livres;
  • A mão-morta – taxa paga pelos familiares do servo para continuar explorando a terra após sua morte.

Essas e outras formas de pagamento eram compulsórias. Por meio delas, transferia-se para o senhor feudal a maior parte da produção.

Os camponeses tinham de viver com o pouco que sobrava. Moravam em casa de madeira, sem divisões internas, com telhado de palha e chão batido. Assim como os senhores, em sua maioria não sabiam ler nem escrever. Vestiam-se com roupas de , linho ou couro. Seu divertimento, geralmente, estava relacionado à fé cristã e aos festejos comemorativos por ocasião do plantio e da colheita.

Um poder fragmentado

Feudalismo1 Após a desintegração do Império Romano do Ocidente, a Europa foi ocupada por vários reinos, cuja principal característica era a descentralização do poder, dividido entre o rei e os senhores do feudo. O rei cumpria, sobretudo, funções simbólicas. Era considerado o principal suserano. Também subordinado às obrigações do sistema de suserania e vassalagem, dependia do exército formado por seu vassalos e dos tributos recolhidos em seus próprios domínios feudais.

Ao ser reconhecido e legitimado pela Igreja, o poder do rei revestia-se de um caráter: ele era “rei pela graça de Deus”. Apesar disso, não tinha poderes para interferir nas terras de seus vassalos. Nelas, o senhor feudal era soberano, comandando o seu funcionamento e fazendo justiça segundo as tradições e o direito consuetudinário, isto é, o direito consagrado pelos costumes.

A economia feudal

formafeuda2 Na Alta Idade Média ocorreu uma acentuada retração das atividades comerciais e artesanais. Em razão disso, houve um processo de ruralização da sociedade da Europa ocidental, com o predomínio da agricultura de subsistência.

Dentro dos feudos, a agricultura era praticada por meio de técnicas simples. Os principais instrumentos eram feitos de madeira, pois o ferro era de difícil aquisição. O arado, puxado por boi, era o equipamento principal. Para não esgotar o solo, usava-se um sistema de rotação trienal: a terra de cultivo era dividida em três partes e o plantio era feito de tal modo que sempre uma dessas partes permanecia em descanso.

Cada família de servos tinha a posse de um lote (ou tenência) em cada um desses campos, para que sempre houvessa terra disponível para o cultivo. O quadro a seguir representa o aproveitamento da terra, de acordo com o sistema de três campos.

A cultura feudal

Em quase toda a Europa Ocidental, durante a Idade Média, o cristianismo era a crença religiosa predominante e que exercia seu poder máximo. A grande exceção constituía a parte da península Ibérica ocupada pelos árabes. Aí, a religião dominante era o islamismo. Outro caso particular dizia respeito às comunidades de judeus disseminadas pela Europa, praticantes do judaísmo.Na maior parte do continente, porém, a vida das pessoas era determinada pelos ensinamentos e pela ação da Igreja Católica Apostólica Romana.

Herdeira e transmissora dos valores greco-romanos, essa poderosa instituição marcou de maneira profunda a cultura medieval, tanto do ponto de vista material quanto espiritual.

A Igreja na ordem feudal

A Igreja era a mais importante instituição do mundo feudal. Os membros mais elevados de sua hierarquia, bispos e abades, eram recrutados entre os nobres. Naquela época, tinha-se o costume de fazer com que o segundo filho de uma família nobre seguisse a carreira eclesiástica - o primeiro filho herdava o feudo, segundo o direito de primogenitura.

Até mesmo o tempo era regulado pela religião cristã - as pessoas marcavam o ritmo de suas vidas pelo toque do sino das igrejas. Completamente voltadas para as práticas religiosas, acreditavam que a vida na Terra era apenas um momento antes da eternidade, que seria vivida ao lado de Deus.

O poder da Igreja

gula Na Idade Média, a Igreja Católica dominava o cenário religioso. Detentora do poder espiritual, a Igreja influenciava o modo de pensar, a psicologia e as formas de comportamento na Idade Média. A igreja também tinha grande poder econômico, pois possuía terras em grande quantidade e até mesmo servos trabalhando. Os monges viviam em mosteiros e eram responsáveis pela proteção espiritual da sociedade. Passavam grande parte do tempo rezando e copiando livros e a bíblia.

Colocando-se como a única intermediária entre a humanidade e Deus, a Igreja passou a deter o monopólio da salvação. Sua organização hierárquica, no topo da qual estava o papa, era extremamente centralizada e rígida. A serviço de Deus, os membros do clero cumpriam um rigoroso regime de obediência e disciplina.

Seu raio de ação, entretanto, não se limitava à vida espiritual. Na verdade, ao longo dos séculos, a Igreja tornou-se proprietária de grande patrimônio – possuía terras, vassalos e servos – acumulados graças às doações feitas por aqueles que queriam, por seu intermédio, ser libertados da condenação divina.

Em meio a uma sociedade constituída de pessoas iletradas, mantinha o controle absoluto do saber erudito. Detendo informações e conhecimento importantes, garantia que seu domínio se estendesse ao longo de séculos de maneira quase inabalável.

As heresias

untitled Aqueles que questionavam os dogmas (verdades reveladas) instituídos pela Igreja eram vistos como inimigos. Em outras palavras, os que interpretavam os ensinamentos cristãos de maneira diferente daquela que a Igreja pregava eram (e são) chamados de hereges (por professarem uma fé diferente da católica).

Com o intuito de manter a coesão da Igreja e da cristandade, reagindo aos levantes de seitas e grupos dissidentes, a Igreja voltou-se contra os hereges. Como forma de reprimi-los, criou-se o Tribunal do Santo Ofício, mais conhecido como tribunal da Inquisição. A primeira era o ato pelo qual impedia que o cristão recebesse os benefícios da salvação, concedidos por seu intermédio (os sacramentos). Oficializada pelo Papa em 1231, a Inquisição julgava os hereges e dissidentes. Aos que se recusavam a se retratar, punia de maneira implacável, condenando-os a penas variadas, por vezes a pena capital. É interessante notar que os tribunais eclesiásticos eram os mais justos dentre aqueles encontrados na Idade Média, trazendo consigo uma série de inovações que futuramente viriam a implementar os tribunais laicos que hoje conhecemos.

O clero secular e o clero regular

Desde o final da Antiguidade, a hierarquia do clero era constituída pelo papa e pelos cardeais, arcebispos, bispos e padres. Eles formavam o clero secular (do latim saeculum, mundo), expressão que designava os sacerdotes que desenvolviam atividades voltadas para o público.

Paralelamente, desenvolveu-se o clero regular, formado pelos religosos que viviam em mosteiros (monges e abades), em regime de reclusão ou semi-reclusão.

O hábito de viver em mosteiros - chamado monasticismo - foi introduzido no Oriente no século VI, quando São Bento fundou o mosteiro do Monte Cassino, na penísula Itálica, dando origem à ordem (ou irmandade) dos beneditinos. A regra criada por São Bento para disciplinar a vida de seus monges, aprovada pelo Papa, serviu de modelo para outras ordens surgidas posteriormente, como a dos franciscanos, a dos dominicanos, etc. O modelo dos mosteiros masculinos, dirigidos por um abade, foi logo instituído para as mulheres.

Os mosteiros ou monastérios desempenharam um importante papel na Europa medieval, cristianizando povos, cultivando terras, organizando e mantendo escolas e bibliotecas.

Ensino, conhecimento e arte

Monge Durante a Idade Média, as pessoas que sabiam ler e escrever em geral pertenciam ao clero. Os poucos livros que sobreviveram ao período das invasões germânicas eram conservados nas escassas bibliotecas pertencentes à Igreja. Nelas, os monges copistas encarregavam-se de reproduzir os livros à mão. Dessa forma, os integrantes da Igreja eram os únicos capazes de lidar com o saber escrito e, portanto, com o ensino formal.

O ensino

Todo o ensino estava sob o controle da Igreja e era voltado para o ingresso na vida religiosa. A língua utilizada para transmitir os ensinamentos era o latim, falado pelos integrantes do clero e pelas pessoas cultas. Os primeiros estudos eram feitos nas escolas que funcionavam nos conventos e nas igrejas das vilas, onde se aprendia a ler e escrever, noções de cálculo e canto religioso. A continuação dos estudos (curso superior), orientada sempre por padres ou monges em escolas mantidas nas catedrais, era dividida em dois ciclos: o trivium (gramática, retórica, lógica) e o quadrivium (música, aritmética, geometria e astronomia).

As universidades

A principal inovação medieval realizada pelos europeus no campo do ensino e do conhecimento foi a criação das universidades.

No final do século XI, a primeira instituição de ensino superior a aparecer foi a Escola de Direito de Bolonha, no norte da atual Itália. Outras instituições surgiram quase simultaneamente na penísula Itálica, na França e na Inglaterra. Até o final do século XIV, já havia mais de quarenta delas espalhadas por diversas regiões da Europa.

A disseminação desses estabelecimentos de ensino teve relação com o ressurgimento urbano e comercial que ocorreu na época. Com esse surgimento tornou-se necessário um número de letrados para gerir os negócios, tanto públicos como privados.

Inicialmente regulamentadas pela Igreja, as universidades restringiam-se ao ensino de disciplinas do trivium e do quadrivium. No século XIV, ganharam independência e passaram a assumir um caráter mais voltado para a vida secular, ministrando também cursos de artes, de medicina, além de direito e de teologia.

O conhecimento

Devido à forte presença da Igreja, os primeiros pensadores medievais, chamados doutores da Igreja, voltaram-se para questões relativas aos dogmas e preceitos da fé, numa tentativa de dar forma à nova religião que se organizava. Inúmeros foram aqueles que estabeleceram os fundamentos da teologia católica, combinando por vezes elementos da filosofia greco-romana com ensinamentos da religião cristã.

Entre os principais estudiosos que ajudaram a transformar a religião de Cristo em uma doutrina formal está Santo Agostinho. Associando o cristianismo aos textos de filósofo grego Platão e de seus seguidores, Santo Agostinho construiu argumentações capazes de sustentar e explicar as verdades religiosas.

Algum tempo depois, São Tomás de Aquino, professor da Universidade de Paris e um dos mais importantes doutores da história da Igreja, reuniu o saber medieval na obra Suma teológica.

No caminho aberto por ele, a Escolástica - movimento que reunia as idéias de Tomás de Aquino - representou uma tentativa de conciliar fé e razão com base no pensamento de Aristóteles, fundindo assim elementos da filosofia pagã com a doutrina católica.

No final da Idade Média, houve algumas tentativas de mudar as orientações teóricas. Na obra de Roger Bacon, por exemplo, estão fortemente presentes preocupações científicas. Monge franciscano inglês do século XIII, Bacon recomendava observações e a experimentação como meios indispensáveis para chegar ao conhecimento. Isso lhe custou a condenação pela Igreja ao cumprimento de uma pena de catorze anos de prisão.

Uma arte a serviço de Deus

A arte medieval era também dominada pelos preceitos da religião. Na pintura e na escultura, os temas representados eram: Deus, os anjos, os santos e, de modo geral, as cenas que instruíssem os fiéis a respeito dos conhecimentos morais e espirituais da doutrina cristã.

Na arquitetura imperava a mesma concepção. As maiores construções medievais foram as igrejas. Nos primeiros tempos, imitavam-se os modelos romanos.

A partir do século XI, desenvolveu-se um estilo arquitetônico propriamente medieval, chamado românico. Os edifícios eram relativamente simples, embora de grandes proporções. Sua aparência sólida, com paredes grossas e poucas janelas, assemelhava-se à das fortalezas. Seus elementos característicos eram a coluna e o arco romano.

A partir do século XII, começou a afirmar-se no norte da França um novo estilo, batizado posteriormente com o nome de gótico. Introduzindo uma nova técnica de construção - o arco gival -, o estilo gótico disseminou-se com a edificação de enormes catedrais, que passaram a simbolizar a riqueza das novas cidades.

Caracterizadas pelas torres altas e pontiagudas, pelas colunas graciosas e, claro, pelos arcos ogivais, as catedrais são construções elegantes, ornamentadas com muitas estátuas e com belos vitrais coloridos, representando cenas da vida de Cristo, da Virgem Maria e dos santos.

O mundo feudal em transformação

cruzadas_01 A sociedade feudal conheceu, entre os séculos XI e XIII, um período de grandes mudanças, assinalado pelo advento da arte gótica, da Escolástica e das universidades.

Durante esse período, que compreende os primeiros séculos da Baixa Idade Média, houve um aumento populacional proporcionado pela diminuição das invasões e das epidemias que assolaram a Europa durante os primeiros séculos do feudalismo. Esses acontecimentos, associados às características do próprio sistema feudal, como descentralização do poder e isolamento dos feudos, minaram algumas estruturas peculiares a esse sistema.

Para a composição do novo quadro, foram decisivas as Cruzadas, expedições de caráter religioso e militar surgidas no final do século XI. Elas contribuíram para acentuar as mudanças na estrutura do feudalismo na Baixa Idade Média.

Em decorrência das Cruzadas, algumas cidades começaram a surgir, outras renasceram e os vínculos servos e senhores feudais sofreram drásticas alterações. As profundas transformações que se verificaram tiveram como conseqüência a modificação das organizações internas dos feudos, bem como das relações entre eles e os reis.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Aspectos feudais da colonização do Brasil ?

BXK20468_brasil-oep-1800 A tese de que relações feudais pautaram o modo de colonização do Brasil gerou profundas controvérsias entre historiadores, economistas e sociólogos. Enquanto alguns autores perceberam e denunciaram essas relações, como fundamento do sistema fundiário brasileiro, que persistiu, de certo modo, até o século XX, outros negaram sua existência, inclusive na caracterização das capitanias hereditárias. Tais controvérsias a respeito da existência do feudalismo ocorreram também na Rússia e em Portugal. Leon Trotsky, ao escrever a história da revolução russa de 1917, a elas aludiu, ressaltando que os estudos mais recentes demonstravam, de modo incontestável, a existência do feudalismo na Rússia e que seus elementos essenciais eram os mesmos do Ocidente, mas ponderou que o fato de serem necessárias longas discussões provava também que ele nascera, prematuramente, com “formas indefinidas e pobres” quanto aos monumentos de sua cultura. Tanto em Portugal quanto na Espanha, a força da historiografia jurídica, comentou José Mattoso, contribuiu para impedir que os historiadores tradicionais compreendessem a importância e o significado dos fenômenos feudais, enquanto os partidários da interpretação marxista, ao desprezarem a superestrutura jurídica, identificaram o feudalismo com um simples modo de produção, restrito à exploração do campesinato, os servos da gleba, pela nobreza senhorial.

 

Nelson Werneck sodré X Caio Prado Junior

13967 No Brasil, algo semelhante ocorreu. Embora geralmente evadissem essa questão, alguns historiadores tradicionais, realçando apenas os aspectos jurídicos, chegaram a apontar as características feudais no regime das capitanias, com que D. João III, inicialmente, pretendeu promover a colonização da terra encontrada por Pedro Álvares Cabral. Manuel de Oliveira Lima considerou o caráter aristocrático de Pernambuco, capitania da qual Duarte Coelho foi o donatário, e a indústria do açúcar como “resultados vivos do êxito desse caso particular de uma tentativa geral, mas deslocada e antiquada, de governo feudal”. Segundo ele, “as prerrogativas ligadas aos feudos eram das mais amplas”, uma vez que os donatários podiam distribuir concessões de terras – as sesmarias – fundar cidades, provê-las de ofícios de justiça e lhes outorgar privilégios municipais; nomear funcionários administrativos, magistrados e autoridades militares, indo sua jurisdição criminal até à condenação à morte, sem apelo, da gente dos peões, escravos e infiéis. Também João Capistrano de Abreu, em Capítulos da História Colonial, comentou essas faculdades, de que, entre outras, os donatários dispunham, dizendo que, “convicto da necessidade da necessidade desta organização feudal, D. João III tratou menos de acautelar sua própria autoridade que de armar os donatários com poderes bastantes para arrostarem usurpações possíveis dos solarengos vindouros, análogas às ocorridas na história portuguesa da Idade Média”. Nelson Werneck Sodré, historiador de orientação marxista, seguiu igualmente a mesma linha na conceituação das capitanias, ao concluir, na sua Formação Histórica do Brasil, que os poderes concedidos aos seus titulares “são traços feudais evidentes; peculiares, como legislação, a uma sociedade feudalizada, a portuguesa”. Conforme definiu, a Carta de Doação da capitania de Pernambuco a Duarte Coelho era “uma legislação feudal, com a peculiaridade de delegação de poderes a um senhor feudal distante, numa área em que se pretende montar empresa de produção estranha ao meio”. Este mesmo historiador, em outra de suas obras – O que se deve ler para conhecer o Brasil – aludiu à concessão de sesmarias, que se tornou a base do regime de propriedade, e, a observar que o seu estudo ainda não merecera no Brasil a “atenção merecida”, ponderou que “não se chegará a compreender as origens do latifúndio escravista e feudal (...) sem o conhecimento do sistema sesmarial”.

Assim, Nélson se mostra inabalavelmente convencido de que o monopólio da terra (“o latifúndio feudal”) constituiu a base de um “feudalismo não-codificado”, do qual se beneficiavam as oligarquias provinciais e estaduais, controladoras do poder político. Tivemos na nossa sociedade uma dinâmica em que primeiro se estabeleceu um modo de produção escravista, depois se deu uma “transição regressiva” para o modo de produção feudal e, afinal, ocorreu a passagem para o modo de produção capitalista. Claro que essa sucessão não se realizou aqui tal como se realizara na Europa: “o processo brasileiro difere inteiramente do modelo do Ocidente europeu, que é o modelo clássico”. No entanto – adverte o historiador – o fato de nos afastarmos de um “paradigma” que nos aprisionaria a um esquema formal estreito não justifica que abandonemos o “método”, quer dizer, o meio imprescindível para alcançarmos o conhecimento científico.

CAIO_P~1 Outro historiador de orientação marxista, Caio Prado Júnior, conquanto reconhecesse, na sua História Econômica do Brasil, que os donatários receberam “grandes regalias e poderes soberanos” e que o rei de Portugal apenas se reservara “direitos de suserania semelhantes aos que vigoravam na Europa feudal”, evitou discutir mais profundamente o regime das capitanias. Em outra de suas obras – Evolução Política do Brasil – considerou que o regime das capitanias “foi em princípio caracteristicamente feudal”, mas ponderou que “este ensaio de feudalismo não vingou” e decaiu “com o sistema de colonização que engendrara, e com ele desapareceu sem deixar traço algum de relevo na formação histórica do Brasil”. Assim, após abordar a concessão das sesmarias, afirmando que a propriedade do sesmeiro era alodial, isto é, plena, sem qualquer ônus além do pagamento da dízima da Ordem de Cristo, da qual o rei de Portugal era o Grão-mestre, acentuou que ela não comportava “nenhuma relação de caráter feudal, vassalagem ou outra”, embora mais adiante admitisse, em nota de rodapé, que se podia “falar num feudalismo brasileiro apenas como numa figura de retórica, mas não para exprimir um paralelismo, que não existe, entre nossa economia e a da Europa medieval”. Dessa forma Caio Prado Junior  defende a tese de que o Brasil nunca foi feudal, pois o país sempre fez parte de um capitalismo colonialista explorador.

 

Não se pode, decerto, pensar em paralelismo, inclusive porque o feudalismo não significou apenas um modo de produção e assumiu distintas formas, nos diversos países da Europa e em diferentes épocas, durante a Idade Média. Essa vertente meramente econômica foi que levou Roberto Simonsen a dizer que não lhe parecia “razoável” que os historiadores brasileiros acentuassem, “em demasia”, o aspecto feudal do sistema das capitanias, “chegando alguns a classificá-lo como um retrocesso em relação às conquistas políticas da época”. “Sob o ponto de vista econômico, que não deixa de ser básico em qualquer empreendimento colonial”, não lhe parecia “razoável a assemelhação desse sistema ao feudalismo”, ele frisou.

 

Celso Furtado e Ciro Flamarion Cardoso

Celso Furtado, por sua vez, entendeu que, embora “inspirado, em seus aspectos formais, em instituições feudais portuguesas”, o regime das capitanias constituiu “um esforço para atrair capitais privados para a obra de expansão comercial dirigida pela Coroa, assemelhando-se ao das Companhias de Comércio que na segunda metade do século XVI surgiram na Inglaterra e na Holanda”. E Ciro Flamarion Cardoso declarou que, pessoalmente, não considerava o sistema sócio-econômico brasileiro como escravista (no sentido de modo de produção de certas regiões, de resto muito limitadas, do mundo antigo), nem feudal, como Alberto Passos Guimarães o conceituara; e menos ainda capitalista. De acordo com Ciro Flamarion Cardoso, o modo de produção no Brasil colonial possuiu uma fisionomia própria. As forças produtivas eram, de um lado, muito avançadas, como os engenhos de açúcar, base da exploração agro-industrial colonial) e, do outro, muito atrasadas (agricultura extensiva, promoção de queimadas, utilização da enxada); as relações de produção baseavam-se em um escravismo muito diferente do da Antiguidade, engendrando uma sociedade fortemente aristocrática e patriarcal; o centro das decisões situava-se fora da colônia, cuja economia era dirigida para exportação de produtos agrícolas (primeiramente açúcar) e posteriormente à exploração das minas de ouro e diamantes.

O feudalismo não foi, contudo, apenas um modo de produção, que, como todos, inclusive o modo de produção capitalista, se estabeleceu e se desenvolveu de forma irregular, complexa e combinada. A desigualdade do ritmo de desenvolvimento foi o que sempre caracterizou o processus histórico, ao amalgamar diferentes fases, em que formas econômicas, sociais, políticas e culturais se entretecem com as mais modernas. É necessário definir o feudalismo, como fizeram Marc Bloch e seus discípulos na França, não apenas em termos puramente econômicos nem em termos puramente políticos e jurídicos, mas como um todo, como um sistema, que implicava valores e abrangia toda a vida social, inclusive em seus aspectos eclesiásticos e culturais, centrados no senhorio. O historiador português José Mattoso ponderou, porém, que o feudalismo institucional ou estrito baseou-se numa “forma peculiar de relações humanas”, no acordo contratual entre dois homens livres para efeitos de exercício do poder ou de autoridade jurisdicional, e que a sua peculiaridade resultou também da relação assimétrica entre eles, o que significava que um tinha maior poder ou autoridades do que o outro. O contrato, embora pudesse ser tácito ou implícito, era geralmente selado por um juramento, a hominium (homenagem em latim) ou homagium (hommage em francês e, em alemão, Mannschaft), ou seja, ajuda militar, essência do contrato vassálico.

 

Feudalismo Francês

10515 O feudalismo francês foi tomado como protótipo, a partir do qual se definiram outros, como um modelo teórico para analisar todas as formas e variantes. Não se poder dizer, entretanto, que houvesse um modelo único e definido de feudalismo. Havia elementos, que não eram apenas econômicos e podiam ou não coexistir com outros, de caráter social, político e cultural, atenuados ou não pelas condições materiais e mentais em que se desenvolveram, de conformidade com uma hierarquia de valores, em cada região e em cada época. Marc Bloch ponderou o erro seria pesado se a “civilização feudal” fosse tratada como se constituísse, no tempo, um bloco de uma só peça. Ocorreu uma série de transformações muito profundas, nos meados do século XI, provocadas ou tornadas possíveis pelo cassar das invasões, mas como conseqüências determinadas por essas mesmas invasões.

Com efeito, o feudalismo apresentou especificidades, dentro da própria Europa, ao emergir das ruínas do Império Romano, em conseqüência do colapso catastrófico e convergente de dois modos de produção distintos e anteriores – o modo de produção escravista dos romanos e os primitivos modos de produção dos germânicos, nos quais instituições tribais ainda predominavam. Os elementos desses modos de produção, desintegrados, recompuseram-se e daí o caráter híbrido e as diferenças que o feudalismo apresentou, nas diversas regiões da Europa, na medida em que o legado de Roma se mesclou com o dos povos conquistados por suas legiões, sem, no entanto, destruir costumes e tradições germânicas. Suas formações sociais concretas constituíram sempre sistemas complexos, nos quais outros modos de produção persistiram, entrançados com o próprio feudalismo. Conquanto certas formas de posse da terra e obrigação fossem designadas por termos que podiam ser traduzidos como feudais, o sistema foi muito fluido nos períodos merovíngio (séculos V a VIII) e carolíngio (séculos VIII a X) e certamente nunca foi rígido, mas permaneceu como um meio de mobilizar tropas, ao implicar certas obrigações por parte do receptor do feudo.

Como salientou o professor Carl Stephenson, o feudalismo constituiu a peculiar associação da vassalagem com a posse do feudo, um sistema que se desenvolveu no império carolíngio e então se espalhou a outras partes da Europa. Na medida em que essa associação se efetuou para fins governamentais, “feudalism was essentialy political”, concluiu Carl Stephenson. A concessão do beneficium, que se tornou conhecido como feos ou fief, latinizado como feodum ou feudum, implicava, na Idade Média, a prestação de serviço militar. E a partir do século IX, o elemento de beneficium começou a desempenhar o papel essencial nas relações feudais e vassálicas, embora sua evolução não se processasse com a mesma velocidade ou no mesmo grau em todas as regiões.

O beneficium ou feudo significava, em alguns casos e quase sempre, a concessão de terras, mas, em outros, podia ser uma função, como as alcaidarias, em Portugal, um governo de circunscrição territorial, ou honor, como os foros de fidalgo da Casa Real, com rendimentos pecuniários, o pagamento de tenças (pensão vitalícia) por alguma fonte definida, ou o domínio fundiário que lhe seria adscrito, também chamado honor. José Mattoso observou que, se em algumas regiões a hereditariedade do feudo era de regras, em outras mantinha-se a precariedade quer do vínculo real (estabelecido pelo benefício) quer do vínculo pessoal. E concluiu ele que, se em algumas regiões as instituições feudais conduziam à “criação de uma armadura” que tendia a modelar e hierarquizar as relações entre os diversos poderes políticos, na chamada “pirâmide social”, em outras nunca chegou a estabelecer-se nenhuma rede coerente e lógica. No entanto, segundo Mattoso, o conceito de contrato feudal, apesar da diversidade, é indispensável e sai influência sobre toda a vida humana e universal.

A idade clássica do feudalismo foi entre o século X e o século XIII. Contudo, os vínculos da vassalagem com a concessão do beneficium, do fief (feudo), já não representavam uma parte essencial da vida social, como fora na época precedente. O nordeste da França, amplamente rural, configurou a região clássica do feudalismo, onde a figura dominante era o barão feudal. Porém, no sul da França o feudalismo nunca se implantou de modo significativo, exceto nos altos níveis da sociedade, em que os príncipes eram vassalos do rei. A herança do direito romano preservou o conceito de Estado, do qual todos eram súditos e ao qual deviam prestar serviço e pagar taxas. Os duques e condes não eram propriamente senhores feudais, mas representantes do Estado. Os alódios, tanto as pequenas explorações camponesas como os senhorios subsistiram ao sul da Aquitânia (Toulousain, Gascogne e Guyenne). E a própria noção de feudo perdeu a nitidez de seus contornos, desde o século XII, em torno de Bordeaux e Toulouse.

 

Feudalismo Ingles

feudo ingles O feudalismo foi introduzido na Inglaterra, de acordo com moldes franceses, mais precisamente, como se desenvolveram na Normandia, que foi um dos seus ducados, no qual o rei na segunda metade do século XII conseguira criar um forte poder central. O levante dos barões levou o rei celebrizado como John Lackland (John Plantagenet), a firmar em 1215 a Magna Carta, que codificou os direitos e privilégios da classe senhorial, estabelecendo que ele devia observar “the law of the land” e não podia proceder contra qualquer um sem do devido processo da “common law”. Entretanto, ao contrário da Inglaterra, onde no século XIII a restrição feudal começara a ser substituída pela restrição parlamentar, na França a aristocracia como um todo preservou seu status de nobreza até a revolução de 1789, embora, desde o reinado de Philipe IV (1285-1314), o governo real fosse largamente controlado pelos advogados burgueses e contabilistas – membros da classe cujo apoio financeiro capacitou Louis XI (1461-1483) a liquidar os últimos vestígios do feudalismo. Ao fim da Idade Média a França já estava sob o absolutismo monárquico.

 

Península Itálica

E, na Itália, houve divergentes configurações do feudalismo. Ao sul ou na região de Veneza, embora existissem principados e senhorios, eles não passavam de simples proprietários da terra e a prestação da hommage e o juramento de fidelidade não eram conhecidos. Somente quando os normandos invadiram a região, no século XI, o feudalismo foi imposto. Também nos Estados papais da Itália central não havia nenhum feudalismo no sentido da união da vassalagem com a posse do feudo. E, no fim da Idade Média, os italianos dominavam totalmente o mercado financeiro e câmbio internacional, ao tempo em que Portugal iniciava a sua expansão no além-mar, com a ocupação dos Açores, Madeira e Cabo Verde.

A escravatura perdurou na Europa ao longo de toda a Idade Média. Na Suécia, só desapareceu no início do século XIV, abolida, formalmente, em 1325, e lá jamais propriamente se estabeleceu a servidão, que nem foi introduzida na Saxônia. Aliás, na Escandinávia, como na Germânia e na Inglaterra anglo-saxônica, um campesinato alodial, com fortes instituições comunais, subsistiu. Na Península Ibérica, conquistada pelos muçulmanos, a partir do ano 711, dois séculos depois que os visigodos a invadiram e antes que Carlos Magno construísse seu império, o feudalismo assumiu formas distintas, singulares, que não resultaram da combinação dos destroços de Roma com as instituições dos bárbaros, mas da prolongada luta da Reconquista, que culminou em 1492, com a queda de Granada e a expulsão dos muçulmanos pelos Reis Católicos. Destarte, a disponibilidade do trabalho escravo, utilizado durante muitos séculos pelos mouros e berberes, atrasou o estabelecimento da servidão na Espanha, bem como em Portugal, cuja monarquia feudal foi a última que surgiu na Europa Ocidental, fundada no século XII, por Afonso Henrique, filho de Henrique, conde de Borgonha.

 

Peninsula Ibérica

Assim, as circunstâncias locais da Península Ibérica, em estado de guerra permanente contra os mouros e berberes, não permitiram, segundo J. Lúcio de Azevedo, a implantação do sistema feudal, na sua plenitude, com a diluição do poder entre os barões. Os privilégios, que os senhores de terra usufruíam, não resultavam de direito próprio e sim de concessão voluntária do soberano, que estava no topo da pirâmide social e política. O senhorio não obrigava ao serviço militar, que era remunerado, se bem que restringisse a independência dos barões, reduzindo-os à condição de subordinados, o que não impedia que por vezes se alçassem, como aconteceu em 1245-1247, quando assumiram o poder e expulsaram o rei D. Sancho II. Mas as terras da Coroa estavam repartidas entre foreiros e rendeiros, todos obrigados a prestações em espécie, moeda ou trabalho, bem como ao serviço militar.

Em Portugal, no extremo da Península Ibérica, a ausência da servidão adscrita (os servos da gleba – gleba adscripti – começaram a desaparecer desde a conquista do Algarves, no início do século XIII, devido ao grande número de muçulmanos capturados e escravizados) e o aparecimento do comércio costeiro combinaram-se com a centralização extrema da propriedade feudal, o que ainda mais acentuou a singularidade das formações sociais em Portugal. Lá a nobreza e o clero estavam no topo da pirâmide, porém, por volta de 1415, os membros da nobreza eram muito menos cavaleiros feudais, que conquistaram a posição por suas proezas no campo de batalha, do que indivíduos que estavam a viver a “lei da nobreza”, em casas solarengas, nas suas próprias terras, com servos, armas e cavalos à sua disposição.

 

 

Conforme Guy Fourquin e L. F. Ganshof ressaltaram, tal como a história do senhorio rural, a da feudalidade não se encerrou com o fim da Idade Média. Instituições feudais perduraram na Europa ocidental até o fim do Ancien Regime, com o qual na França se identificou o feudalismo, expressão criada nos séculos XVII e XVIII pelos advogados franceses e ingleses e popularizada pelo filósofo Charles-Louis de Secondat, barão de Montesquieu. E, em alguns países, os elementos feudais sobreviveram no século XIX e mesmo no século XX. O capital mercantil desenvolveu-se dentro da moldura feudal. A conquista da América, pelos seus métodos, não foi outra coisa do que a continuação da Reconquista na Península Ibérica. O historiador francês Pierre Vilar qualificou o “imperialismo espanhol” como “a mais alta etapa do feudalismo”. O mesmo poder-se-ia dizer a respeito do imperialismo português, em que os nobres, comerciantes e aventureiros se mesclaram, ao promoverem a conquista de territórios na África e na Ásia e a colonização do Brasil.

Rosa Luxemburg, em sua obra Die Akkumulation des Kapitals, demonstrou que o capitalismo apareceu e se desenvolveu, historicamente, em um meio social não-capitalista, em primeiro lugar cercado, nos países da Europa ocidental, pelo meio feudal, do qual surgiu. Não sem razão ela ressaltou que “aus diesem Bestreben ergeben sich in den Kolonialländer die seltsamsten Mischformen zwischen modernem Lohnsystem und primitiven Herrschaftsverhältnissen”, acrescentando que “der Kapitalismus auch in seiner voller Reife in jeder Beziehung auf die gleichzeitige Existenz nichtkapitalistischer Schichten und Gesellschaften angewiesen ist”. De fato, o desenvolvimento do capitalismo, nas colônias da América, processou-se em ritmo desigual, combinando-se e coexistindo com formas de produção não-capitalistas e pré-capitalistas, como a economia comunal dos índios e o trabalho escravo.

Os direitos senhoriais e certas relações feudais de produção, que perduravam em Portugal, estenderam-se, ainda que com características pobres e indefinidas, ao Brasil, onde a colonização, determinada pelo mercantilismo e revestida de caráter militar, não se efetuou de modo idêntico e uniforme em todas as regiões. O próprio Jacob Gorender, em sua obra O Escravismo Colonial, reconheceu que “os moldes jurídicos da apropriação da terra no Brasil-colônia teriam de proceder do direito português da época, correspondente a certo estágio da evolução do feudalismo”, ainda que não se confundissem com o regime territorial em si mesmo, pois este devia obedecer às exigências do modo de produção estabelecido na colônia. Nessa e em outras passagens de sua obra, Gorender não negou nem podia negar a existência de elementos feudais na colonização do Brasil. Os portugueses não recomeçaram ali a história e não podiam deixar de transplantar certas instituições feudais ainda existentes em Portugal, em seu sistema tanto econômico como, principalmente, jurídico e político, evidenciado pela existência do beneficium, dos privilégios da nobreza e de alguns costumes e instituições, tais como, entre outros, o morgadio, o direito da primogenitura, a vassalagem e os deveres de fidelidade (fealty) ao soberano.

As instituições feudais, que Portugal, já na etapa do mercantilismo, transmitiu à colônia sofreram adaptação e, conseqüentemente, transformações, e ela, na sua formação, não podia reproduzir fielmente a estrutura econômica, social e política da metrópole. Mas mentalidade feudal, com seus valores – honra, espírito de cavalaria, coragem e generosidade, entre outros – permaneceu e cristalizou-se, na classe dominante da colônia, em decorrência, inclusive, das funções militares atribuídas aos sesmeiros, na maioria fidalgos da Casa Real ou funcionários do reino, que se tornaram não só proprietários das terras e dos meios de produção, como, também, detentores da autoridade civil e da força armada, e acumulando às vezes à funções de juizes e vereadores. Eles eram vassalos do rei (vassi dominici), que desfrutavam de sua proteção particular e, constituindo uma rede de fidelidade, lhe deviam fornecer grande das tropas, para a defesa da colônia, quer contra os índios quer contra os estrangeiros.

Conquanto os bandeirantes houvessem chegado até o Açu, no Rio Grande do Norte, na guerra contra os tapuias, as forças que conquistaram e ocuparam os sertões do nordeste saíram, na maior parte, da Bahia de Todos os Santos. Por constituir a Cidade do Salvador a capital da colônia e, conseqüentemente, o centro do poder político, os fidalgos e funcionários do reino, estabeleceram-se aí, bem como os mercadores cristãos-novos, que com eles se entrelaçaram, e sua influência econômica, social e política sobre o governo, ao qual tinham acesso direto, possibilitou-lhes obter enormes sesmarias, muito maiores do que as concedidas aos colonos em outras regiões. Tais fatos, inter alia, determinaram que a classe dominante se formasse, na Bahia, de maneira dessemelhante de como ocorreu na região Centro-Sul e concorreram para diferenciar a colonização do nordeste.

A instituição do morgadio, vinculando um conjunto de propriedades, subordinando-os a uma disciplina jurídica que não permitia nem a alienação em vida nem a repartição por morte e, concedendo à primogenitura o direito de herança, foi estabelecida em Portugal, durante a Idade Média, a fim de reforçar socialmente a nobreza e evitar o seu empobrecimento. No Brasil, o Parlamento proibiu a instituição do morgadio, em 1835, e os morgados existentes foram extintos 1837. Em Portugal, somente foram extintos em 1863. A concessão de sesmarias, iniciada também na Idade Média, começou em Portugal, quando o rei D. Fernando (1367-1383), com o objetivo de restaurar a cultura de cereais, abandonada em favor de outras mais lucrativas, decretou, em 1375, uma lei mediante a qual passou a distribuir terras aptas para o cultivo a novos proprietários, segundo o sistema de “sesmos”. Este sistema permitiu que a propriedade da terra, da qual o rei tinha o monopólio, passasse às mãos de um número reduzido de senhores, com acesso à corte. E os nobres e os grandes lavradores foram assim os grandes beneficiários. Legalmente, os direitos de propriedade dos senhores sobre as sesmarias eram apenas de grau. Eles recebiam as terras de uma autoridade (ou nobre, o capitão donatário) superior, a quem deviam prestar serviços militares, em tempo de guerra, segundo uma hierarquia em cujo topo o monarca se encontrava.

As capitanias hereditárias, insulares, começaram a ser instituídas por volta de 1370, com a doação do rei D. Fernando I a seu vassalo, o genovês Lanzarotto Malocello, das ilhas Gomera e Lanzarote, nas Canárias. Outro italiano, Bartolomeu Perestrello, tornou-se capitão-donatário da ilha de Porto Santo, descoberta em 1418, no arquipélago da Madeira, posteriormente (1419) divido em capitanias, cabendo a de Funchal a João Gonçalves Zarco, e a de Machico, a Tristão Vaz. Essas capitanias corresponderam, na realidade, a um beneficium, que agraciava o nobre com o título de capitão-hereditário, uma graça com privilégios de ordem econômica e ampla autonomia política e judicial, e obrigava-o a assumir a administração e a defesa das terras concedidas pelo rei de Portugal, que procurou manter em suas mãos, por meio da Ordem de Cristo, as rendas da Coroa.

O Brasil foi repartido em capitanias-hereditárias em 1534-1536. Quase todos os donatários não as puderam sustentar, o que determinou o fim, praticamente, desse regime, em 1549, com a nomeação de Tomé de Sousa para o cargo de governador-geral do Brasil. Mas as sesmarias, igualmente hereditárias, continuaram a ser distribuídas e configuraram, em realidade, não sub-donatárias e sim verdadeiras enfeudações. Primeiro, os donatários, e depois os governadores, na condição de vassalos do rei, concediam as sesmarias e os sesmeiros, como na Idade Média, podiam sub-enfeudar, ou seja, arrendar a posse da terra, a exemplo do que fez, durante três séculos, a Casa da Torre.

No Brasil colonial, a castelania, o baronato, o condado ou principado, os elos intermediários da cadeia, que na Europa separava o simples senhorio do monarca, embora não fossem formalmente definidos e designados, existiram de fato. Tanto isto é certo que, ao conceder a Antônio Joaquim Pires Carvalho, no mesmo dia da coroação, o título de barão da Torre de Garcia d’Ávila, o primeiro título de nobreza do império e o único assinado naquela data, o imperador D. Pedro I declarou elevar “por este modo o título de senhorio de que de tempos antigos têm gozado a sua Casa e família”. Ele ergueu assim ao predicamento de baronato o senhorio que desde o início da colonização Garcia d’Ávila e seus sucessores efetivamente exerceram.

Os sesmeiros condensaram em si próprios todos aqueles graus da hierarquia nobiliárquica, se bem que, inclusive os nobres de linhagem, nascidos na colônia e com o foro de fidalgo, não recebessem títulos de barão ou outros, até a transferência da Corte de Lisboa para o Rio de Janeiro, em 1808. Pedro Calmon observou que o dono do engenho, onde se devia produzir quase tudo, era o suserano da região em que se incluía, como fazendeiro-vassalo, o lavrador, i. e., o cultivador dos canaviais. “Nos domínios rurais, a autoridade do proprietário de terras não sofria réplica”, também ressaltou Sérgio Buarque de Holanda, acrescentando que “tudo se fazia consoante sua vontade, muitas vezes caprichosa e despótica” e que “o engenho constituía um organismo completo e que, tanto quanto possível, se bastava a si mesmo”. O título de senhor de engenho, observou um cronista da época, podia ser considerado tão alto como os títulos de nobreza dos grandes do reino de Portugal.

Essa relação entre o senhor, o proprietários de terras, e o dependente não se baseou em nenhuma espécie de contrato. O que ocorreu foi a dominação do senhor sobre o dependente, tanto no plano econômico quanto ao nível político-jurídico, em virtude da concentração do poder econômico e das prerrogativas estatais, uma vez que ele tinha capacidade de julgar, possuir armas e exigir prestações fiscais. O exercício de poderes de coação (senhoriais), no entanto, não decorreu tanto de cessão superior mas da apropriação e extensão da autoridade, devido ao raquitismo do Estado, à incapacidade de administração de tão vastas extensões de terra pelos representantes do rei. De acordo com José Mattoso, a apropriação desses poderes senhoriais por parte da nobreza é que constitui o fulcro do “modo de produção feudal” e, em última análise, o distingue do “modo de produção capitalista”. No caso do Brasil, os poderes de coação, assumidos pelos sesmeiros, cujo maior ou menor prestígio dependia da quantidade de homens, que pudessem mobilizar a qualquer momento, fosse para o trabalho, fosse para a guerra, foram acentuados, sobretudo, na Bahia e em Pernambuco, nas regiões sobre as quais a Casa da Torre, de Garcia d’Ávila, e a Casa da Ponte, da família de Antônio Guedes de Brito, dilataram seu domínio.

Além da estrutura social, caracterizada pelo senhorio da terra, a pirâmide social e política, da qual o monarca estava no topo, era muito similar à que se desenvolveu na Idade Média. As relações sociais de produção estabeleciam-se, sobretudo, em torno da terra, porque se assentavam em uma economia predominantemente agrícola, e a propriedade pertencia a uma hierarquia de senhores, os sesmeiros, os que recebiam e/ou doavam as sesmarias, e acima dos quais estava o rei, a quem deviam prestar vassalagem, inclusive serviço militar, se necessário. No Foral da Capitania da Bahia e Cidade do Salvador, datado de 26 de agosto de 1534, D. João III determinou que “os moradores, povoadores e povo da dita capitania serão obrigados em tempo de guerra de servir n’ella com o capitão se lhe for necessário”. O mesmo também determinara no Foral e Privilégio da Capitania Porto Seguro, e em todos os outros forais.

No Regimento que Thomé de Souza, como governador-geral do Brasil, levou para a Bahia, quando foi fundar a Cidade do Salvador, em 1549, D. João III estabeleceu, no parágrafo 11, que todas as pessoas, às quais fossem concedidas sesmarias, “se obrigarão a fazer cada um em sua terra uma torre, ou casa forte de feição e grandeza que lhe declarardes, (...) para a segurança do dito e povoadores de seu limite”. No parágrafo 20, repetiu a mesma determinação, ao acentuar que as pessoas “às quais se derem águas e terras de sesmarias para fazerem engenhos, (...) se fação torres ou casas fortes (...)”, e, no parágrafo 33, assinalou que “os senhorios dos engenhos e fazendas (...) hão de ter torres ou casas fortes (...) ao menos quatro berços e dez espingardas de vinte copos d’armas de algodão e vinte espadas e dez lanças ou chuços e vinte corpos d’armas de algodão”. Aí, vinculadas à concessão de sesmarias, como beneficium, estavam explícitas as obrigações militares da vassalagem, que constituía um dos traços essenciais do feudalismo, juntamente com a propriedade da terra.

Os rendeiros tinham direito de utilização e ocupação da terra, mas pagavam ao sesmeiro o foro em dinheiro ou, no mais das vezes, em espécie. E sobre o trabalho dos escravos e da semi-servidão dos caboclos, os camponeses, e outros lavradores, que lastreavam a pirâmide, desenvolviam-se vínculos de obrigação pessoal, nas camadas intermédias, e mesmo entre os senhores, sujeitos a um sistema de deveres, principalmente militares, devido aos superiores. Em virtude da vastidão territorial do Brasil, a superestrutura política praticamente se desvanecia, no interior da colônia, concorrendo para a fragmentação da autoridade, um dos traços característicos do feudalismo. A autoridade foi, em geral, exercida de pessoa para pessoa. Dentro de um extenso território, sem maior controle direto ou mesmo indireto do Estado, o sesmeiro, administrava a justiça ou a injustiça, ao seu bel prazer, fora de quaisquer normas jurídicas, coletava multas e taxas locais, organizava forças militares, recrutando camponeses, caboclos e escravos, e exigiam serviços para a conservação de estradas, pontes e fortificações.

As sesmarias concedidas pelos reis de Portugal, diretamente ou através de seus prepostos, donatários ou governadores, representaram, de fato, o beneficium, o fief, e estavam associadas, inegavelmente, à vassalagem, com objetivos não só econômicos, mas, sobretudo, políticos, visando à ocupação, exploração e administração das terras na colônia. Os donatários, os governadores e também os sesmeiros eram agentes da autoridade do monarca, que por meio da concessão de benefícios (beneficium) tratava de implantar seu próprio poder nas ilhas e terras conquistas. E as funções militares, estatuídas no regimento que D. João III dera ao governador Tomé de Sousa e atribuídas aos sesmeiros, imprimiram um caráter ainda mais feudal à colonização do Brasil e concorreram para que eles, dentro de sua jurisdição, se apropriassem dos poderes de coação e reproduzissem as relações de senhorio com os rendeiros, que adquiriam o que no direito romano era chamado de ius in re aliena, o direito sobre algo que pertencia a outra pessoa.

O foro cobrado não representava apenas a forma de apropriação da renda da terra. Exprimia a posição de dependência dos rendeiros em relação aos sesmeiros. E estes, detentores de recursos econômicos e força militar, não apenas geriam a produção, através de procuradores, e auferiam a renda absoluta da terra, cujo monopólio conservavam, como, através da coerção, ordenavam todas as atividades sociais dentro dos seus senhorios, servindo a mística da fidelidade ao senhor como técnica de preservação do grupo social, integrado, na base da pirâmide, por grande número de caboclos, que cultivavam roças, configurando esta economia de subsistência uma situação similar à existente na Europa medieval. Esses senhorios, em maior ou menor dimensão, conformaram efetivamente feudos, na medida em que os sesmeiros, com poderes de exação e mobilização de índios e colonos para o serviço militar, representavam, de fato, vassalos, ou seja, os “homens”, do rei de Portugal, ao qual tinham a obrigação de prestar a hommage ainda que os rituais da Idade Média, como o beijo (osculum), não se procedessem no Brasil. Esses rituais, indispensáveis na França, Germânia e Inglaterra, já haviam, entretanto, começado a desaparecer, gradualmente, na Europa, a partir do século XII.

Na Europa medieval, conforme Marc Bloch salientou, os feudos vassálicos também foram, a maior parte, senhorios, grandes ou pequenos, dado convir que a terra estivesse povoada por foreiros, sujeitos, por um lado, ao pagamento de tributos e, por outro, a prestações de mão de obra, que permitiam o cultivo da fração do solo geralmente reservada à exploração direta pelo senhor. E este foi o quadro que se reproduziu, às margens do rio S. Francisco, no curso da colonização Brasil.

A Casa da Torre constituiu um caso emblemático, no qual a feudalidade essencial da colonização do nordeste mais claramente se manifestou. Sucessivas gerações dos senhores da Torre de Garcia d’Ávila não apenas conquistaram os sertões, à frente de suas tropas, como, por três séculos, detiveram o domínio econômico, político e militar sobre uma extensão territorial mais vasta do que a de muitos reinos na Europa: cerca de 300.000 km2 de extensão. Esta vasta possessão territorial era mais do que três vezes maior do que Portugal, ou seja, uma extensão três  vezes maior do que a distância entre Faro, no Sul de Portugal, e a Galiza, ao Norte, fronteira com a Espanha.

A amplitude do território, sobre a qual a Casa da Torre estendeu e exerceu o senhorio, ao longo de três séculos, assemelhou-se a um feudo, sob vários aspectos, inclusive porque se formou por meio de beneficium, a concessão de sesmarias, como recompensa por serviços militares que várias gerações da família de Garcia d’Ávila prestavam, tanto na expansão das fronteiras quanto na defesa da colônia.

Euclides da Cunha, em Os Sertões, comentou que “abusivas concessões de sesmarias subordinaram à posse de uma só família, a de Garcia d'Ávila (Casa de Torre)” uma vasta superfície de terras. Essas sesmarias foram concedidas, muitas vezes, como recompensa, como beneficium, como fief, pelos serviços militares que as tropas da Casa da Torre prestaram à defesa da colônia, a exemplo do que aconteceu na campanha contra a ocupação da Bahia e de Pernambuco pelas forças holandesas, da Companhia das Índias Ocidentais. Elas representaram o salário da fidelidade armada e, ao mesmo tempo, concessões acima de tudo rentáveis. Somente o conceito de feudo/senhorio pode, portanto, expressar melhor, e de modo mais aproximado, tanto quanto possível, o que o domínio construído pela Casa da Torre no nordeste representou. O direito da primogenitura foi preservado como regulação prática para a continuidade da posse feudal e o fato de que o morgado era legalmente indivisível parece provar que foi mais um ofício público do que um pedaço de terra.

Desde os primórdios da colonização, a Casa da Torre conservou seu baluarte e manteve um exército próprio, cumprindo funções militares, embora não estivesse integrada formalmente no aparelho de Estado português, fosse uma família. A fim de manter seu vasto domínio, seu prestígio e sua fortuna, ou mesmo garantir sua segurança, os senhores da Torre, como na Europa medieval, tiveram de obter, por meio da persuasão ou da força, a colaboração de subalternos, os procuradores, aos quais se associavam e para os quais conseguiam do governo patentes militares. Eles, ao mesmo tempo vassalos do rei de Portugal, exerceram a autoridade sobre os procuradores e estes, com patentes militares e à frente de tropas, sobre os rendeiros, camponeses economicamente dependentes, e escravos.

As relações que, dentro desse senhorio, os senhores da Torre, descendentes de Garcia d’Ávila, estabeleceram com seus dependentes, os foreiros e outros colonos, não decorreram de vínculos contratuais, mas da privatização do poder público, pois a dominação por eles exercida, tanto ao nível econômico e social quanto ao nível político e jurídico, deveu-se não só à concentração de poder econômico em suas mãos como ao exercício de prerrogativas estatais, sobretudo, a utilização de força armada, sem a qual impossível seria exercer poderes senhoriais, ao longo de três séculos, sobre tão vasta extensão territorial.

Os poderes que a Casa da Torre assumiu, naquela região do nordeste, equivaleram realmente aos do Estado, o que a circunstância de dispor de batalhões e milícias lhe possibilitou. E essa apropriação de poderes configurou o fulcro do seu caráter senhorial e feudal, em que os aspectos econômicos, na exploração do solo, se entreteceram com as funções militares e políticas, da homenagem vassálica, desde que Garcia d’Ávila iniciara, em 1552, a construção do baluarte, sobre o porto de Tatuapara, até a extinção do morgado, três séculos depois, com o falecimento do visconde da Torre, em 1852.